redaçãoemcurso&concurso: 2008-04-27

“Seu minino, eu tenho uma indentidade que num posso revelá, mas donde venho os minino tudo se chama Zé, Chico, Tonho ou Verino. Meu nome pode sê um desses. Se quisé, pode me chamá de Skeleton-X num sabe?”

Repórter: “Como foi sua infância, Skeleton?”

“Quando eu era um bacurizinho desse tamaninho, vivi na roça e passei muita fome. Isso me deu esse corpinho que você tá vendo. A gente aprendeu a coisa difícil que é a vida. Minha famia era de gente pobre, que sempre ganhou salário-mínimo, trabaiando nas lavoura. Em nossa cidade num tinha água de cano e a gente pegava água pra bebê nos rio e nos açude. Mas, com tudo isso, foi uma infança feliz. Coisa de cinema!”

Repórter: “Você desperta curiosidade: de que brincadeiras você brincou na infância?”

“Como minha famia num tinha dinhero, a gente brincava sem brinquedo: brincá de pique, subi em arvre, andá de mula, contá estrelas. Tudo brinquedo muito divretido. Virge Santíssima, só de pensá me dá inté uns arrepio.”

Repórter: “E por que o nome Skeleton? Por que em inglês?”

“É mania de brasilero de copiá os gringo americano. Pra ficá um nome da hora. Você pense: alguém assiste argum espetacro de um circo chamado Circo Brasilero? Não. Mas, se o circo se chama Circo of América, e diz que é lá dos estrangero, aí é da peste. É o mermo espetacro, mas o nome chama a atenção. Quem ia acreditá num herói chamado esqueleto? Skeleton é mais porfissional. Ocê num acha?”

Repórter: “Quais são os seus poderes?”

“Eu num sô poderoso ansim, não. Meu maió podê é o que tenho desde infança: é ficá sem comê um muitcho tempo. Áí, quando a missão da poliça é demorada, eles me chama pra fazê um trabaio: eu posso ficá preso em lugá fechado sem percisá de um de-comê. Também é bom pra economizá vebra, qué dizê, ver... vé... verba com comida.”

Repórter: “E qual é o seu golpe principal ou arma favorita?”

“Eu num tenho esse trem, não. Isso é muitcho perigoso e faz mar.”

Repórter: “E como você imobiliza ou pega os criminosos?”

“Moço, você já me viu em ação? Já me viu com meu unifrome todo rasgado? Eu sô muitcho ridicro: pareço um calango vrede correndo na areia quente da caatinga. Quando eu falo pros bandido “pare em nome da lei”, eles começa a ri da minha cara. Mas ri tanto, ri tanto, que acaba predendo o fôlego e caindo duro, mortinhos da silva. Eles têm ataque de riso. Aí, é só recolhê os arruaceiro e levá em cana.”

Repórter: “Quando você não está combatendo o mal, qual é o seu passatempo?”

“Seu garoto, quando esse esqueleto num tá pegando cabra, fico arretado, pescando piaba no rio. Também apreceio pegá sapo pra amarrá em cordinha de balbante. Isso é coisa que faço desde quando era minino. Se os guri num fazia isso, brincava de corrida de sapo. Inté hoje apreceio essa empreitada.

Repórter: “Diga algo que você gostaria de ter ou fazer e não pode.”

“O home, eu gostava de sabê voá quar os urubu, que são uns pássaro lindo.”

Repórter: “Se você ganhasse nesses jogos de loteria, o que você faria?”

“Se eu ganhasse muitcho dinhero, comprava comida pra enchê a pança e engordá um tiquinho. Dispois dava o resto pro povo; alis, mandava construí uns poço pra acabá com a seca, pruque lá tem água, mas ninguém faz nada pra ajudá o povo sofrido.”

Repórter: “Skeleton, vamos as suas preferências...”

“Que trem é esse?”

Repórter: “É um jogo em que eu faço perguntas sobre suas coisas preferidas e você vai me respondendo. Assim, por exemplo, qual é a sua comida predileta?”

“Vixi! Predileta? Num sei nem que diacho é isso! Mas se é comida, eu gosto de quarqué gororoba pra matá a fome. Gosto também de rapadura e melado com farinha.”

Repórter: “E a sua cor favorita?”

“É a cô do caburé, um pássaro da minha terra, ansim branco e riscadinho, entende?”

Repórter: “E um animal?”

“Aí é o calango, o jegue e a mula, bichos danados de bão, que agüenta todo fogo do mundo.”

Repórter: “E um esporte?”

“Bicho como Skeleton só corre atrás de água, seu moço.”

Repórter: “Qual é o tipo de música de que você mais gosta?”

“Forró e cantiga de niná, que minha mãezinha cantava pra barrigudinho drumi. Inté hoje tá tudo aqui na minha cabeça, cantarolando sem ninguém nem nada ouvi.”

Repórter: “E um presente que gosta de receber?”

“Eu gosto de recebê carta desse pessoal que gosta de mim. Mas o que gostava mermo de recebê é água e comida pra minhas gente da caatinga do sertão.”

Repórter: “E um programa de TV?”

“Moço, lá na minha terra ninguém tem essas caixa chamada televisão. Isso é coisa de doido. Mas já vi filme de terrô com múmia e esqueletos, filme de assombração e arma penada. É muitcho bom.”

Repórter: “Diga uma palavra que você acha interessante.”

“Uma palavra da peste é essa tar de meta... metar..., eta, diacho... “me-tar-me-fo-se”. Diacho de palavrinha difícil de dizê.”

Repórter: “Metamorfose, é o que você quer dizer...”

“Isso: metarmefose. É isso aí. Outra também da moléstia é esquitô... esquitô... esquitossomorfe...”

Repórter: “Esquistossomose!”

“Isso. Além de sê da peste, é uma doença maligna que dá muitcho nos bacurizinho da roça. Eles fica tudo ansim barrigudo. A gente pensa que é barriga cheia de comida, mas é só doença. Uma coisa triste!”

Repórter: “Diga uma coisa que você detesta.”

“Ah, isso é fácil: aqueles político que promete e num faz nada pro povo.”

Repórter: “E uma coisa que você adora...”

“Ai, bichinho, sô louco por rapadura, num sabe?”

Repórter: “Você disse que, quando você veste o seu uniforme, fica ridículo. Mas nem todo mundo acha isso, Skeleton. Vou ler uma cartinha de uma jovem que adora você. Depois, quero ver o que você vai dizer. Veja:”

Meu queridíssimo Skeleton:

Eu te acho o máximo, sabia? Estou ligadona em você. Vivo pensando em sua beleza de noite e de dia, nesse seu corpinho atlético. Estou completamente apaixonada. Gostaria de dizer que você é o maior gatão e eu te acho lindo, lindo, lindo. Minha mãe vive dizendo que isso é coisa de adolescente, que tudo passará, mas eu acho que não passará, não. Você poderia me mandar uma foto sua autografada pra eu ficar curtindo você?

Assinado: Beatriz (Você pode me chamar de Bia.)

Repórter: “E agora, Skeleton, o que você me diz dessa carta?”

“Digo que essa moça só pode sê maluca. Onde já se viu gostá de uma coisa tão feia?”

Repórter: “Sei lá, Skeleton: cada um vê a vida do jeito que sabe.”

“Ó, xente! Sei não. Ouvrindo essa moça, fiquei meio cabrero. Mas eu mando a chapa pra ela com minha assinatura. Ela só vai me descurpá pruque lá na minha terra num tem muitchas escola, de modi que eu nunca tive estudo dereitos. Aí eu assino ansim meio troto.”

Repórter: “Não faz mal. Acho que a moça não vai reparar isso. Obrigado pela entrevista.”

“Num há de.

SPACE-JEGUE

O ANIMAL

Repórter: “Qual é o seu nome?”

“Antigamente me chamavam de Alambique. Hoje me chamam Space-Jegue.”

Repórter; “Como foi a sua infância?”

“Não me lembro muito bem. Antes eu era um animal comum. Eu só me tornei herói depois de adulto: foi quando fui seqüestrado por seres espaciais que me tornaram assim.”

Repórter: “Você pode explicar melhor essa história? Como foi que isso aconteceu?”

“Posso explicar sim. Quando eu vivia no interior, uma grande luminosidade veio do céu e me levou para um lugar cheio de luzes. Não me lembro bem o que ocorreu, porque, na época, eu era somente um jegue comum lá no interior. Me colocaram numa máquina estranha. Quando acordei, eu falava e agia como um ser humano. Daí, aprendi a andar sobre duas patas e decidi vir para a cidade. Hoje ando em minha identidade secreta no meio da rua como qualquer pessoa e ninguém me reconhece.”

Repórter: “Foi a partir daí que você passou a ser Space-Jegue?”

“Mais ou menos. Durante certo tempo, comecei a perceber que tinha poderes diferentes dos da maioria dos seres humanos; minha inteligência também aumentou. Aí, aprendi alguns truques utilizados por heróis e passei a ter os meus.”

Repórter: “E quais são os seus poderes?”

“Coice e risada de jumento para irritar as pessoas; além da mordida que deixa a marca do jegue.”

Repórter: “Qual é o seu golpe principal?”

“Quando estou atacando, uso todos os meus poderes de uma só vez. Saio pulando em todas as direções. Resmungo, grito, dou pernada, chute, coice. Um desses golpes acaba acertando o adversário.”

Repórter: “Qual é o seu passatempo?”

“Eu gosto de ler.”

Repórter: “Você é muito instruído, não?”

“Acho que sim. Leio bastante, falo a língua do “p”, sei a linguagem dos surdos-mudos, falo francês, inglês, espanhol, árabe, tailandês, holandês e jeguês. Agora estou estudando japonês e alemão.”

Repórter: “Diga algo que você gostaria de ter ou fazer e não pode.”

“Gostaria de poder atravessar paredes como os fantasmas.”

Repórter: “Se você ganhasse um dinheirão em jogos lotéricos, o que você faria?”

“Se eu ganhasse alguma grana? Bem, eu distribuiria tudo para instituições de caridade: há muitas crianças e idosos abandonados por aí. Space-Jegue só ia comprar pra ele um ventilador bem grande pra espantar o calor.”

Repórter: “Agora me diga, Space-Jegue: qual é a comida que você mais aprecia?”

“Agora tenho hábitos quase humanos, mas ainda gosto de comer e saborear um bom capinzinho e todas essas coisas verdes: grama, alface, couve, espinafre, bertalha, agrião...; também sempre tomo chá de capim-limão.”

Repórter: “E sua cor?”

“Cor-de-burro-quando-foge.”

Repórter: “E um animal?”

“O burro e o jegue, meus irmãos.”

Repórter: “Você pratica algum esporte?”

“Capoeira, caratê... tudo quanto é esporte que sai dando pernada para todo lado. Está no meu sangue, entende?”

Repórter: “Qual o tipo de música que você gosta de ouvir?”

“O frevo.”

Repórter: “Que presente você gosta de receber?”

“Quando a gente ganha presente, não se pode escolher. É como se diz na minha terra: jegue dado não se olha o dente furado.”

Repórter: “Diga uma palavra que você acha interessante.”

“Uma palavra espinhosa é “cacto”. Acho a palavra “xexelento” bem engraçada. XE-XE-LEN-TO. Esse “XE” mais “XE” é divertido. É até difícil de se escrever. Outra palavra que também é gozada é “xinxim”.”

Repórter: “Cite um programa de TV.”

“Filme com bichos como atores e filmes de ficção científica.”

Repórter: “Que coisa você detesta?”

“Sovaco fedorento; por isso, às vezes, reclamo com o Capitão Pum, meu amigão.”

Repórter: “Que coisa você adora?”

“Gente feliz e gente que trata bem os quadrúpedes. Também gosto muito do meu amigo Skeleton-X.”

Repórter: “Você gostaria de dizer alguma coisa para as crianças?”

“Gostaria de dizer para as crianças que o burro e o jegue parecem bichos pacatos e ignorantes, mas são ágeis, espertos e valentes. Posso provar isso, contando uma de minhas aventuras para as crianças?”

Repórter: “Claro. Assim a gente termina a entrevista: com algo bem marcante.”

“Então, tá.”

“Tudo aconteceu no interior, bem na Ladeira do Burugundum, lugar onde, dizem as pessoas de lá, todas as noites de lua, homens sem rosto e vestidos de branco rolam barris pela ladeira para assustar a população. Descansando de mais um terrível ano de combate ao crime, estava andando pela estrada, respirando o ar noturno, procurando uma folhinha bem verde e suculenta para comer. Foi aí que vi uma grande bola de fogo cair sobre um morro local, conhecido como Morro da Saúva.

O fogo que saía do lugar onde caiu a tocha era tão intenso que ameaçava se alastrar pelas redondezas, quer, dizer, ameaçava queimar a vegetação e as plantações ao redor do morro. Feliz por ter a oportunidade de ajudar a população dali, fiz minha transformação e virei imediatamente este super-herói que você conhece.

Galopei em direção ao fogaréu e, quando cheguei lá, percebi que o que caíra no alto do Morro da Saúva não era um simples meteoro: era uma nave espacial de porte médio. Querendo desvendar aquele mistério, fiquei atrás de uma pedra gigante, observando atentamente o que ocorreria com o estranho veículo. Demorou um pouco, mas minha curiosidade foi satisfeita, porque saíram dois seres esquisitíssimos de dentro da nave. Menino, juro: vi com esses olhos que a terra um dia há de comer. Os dois seres eram feios que nem o cão chupando manga azeda: tinham sete olhos cada um; de suas barrigas saíam garras afiadas prontas para cortar o primeiro terráqueo que aparecesse.

Eu, como sou esperto, transformei-me em jegue para não dar na vista. Sabe como é: gente eles podiam ferir, matar, sei lá. Mas animal eles não iam ferir. Comecei a pastar, disfarçadamente, para escutar a conversa deles. Eles chegaram perto do lugar onde eu estava. De repente, me viram.

Eu, aí, gelei. Pensei comigo: “como é que eles vão saber se jegue é ou não um ser humano? Talvez eles queiram se comunicar.” Fiquei parado, comendo minha graminha. Eles chegaram perto de mim e falaram na língua deles:

- Plitz vatz ruptis alfaion re!

- Acho que eles estão me xingando – falei comigo mesmo.

- Nokis Platz vatz agoxu re!

- Espero que eles venham em paz – pensei novamente – não sou de brigar com desconhecidos.

Depois que eu disse isso, o ser menos simpático pegou uma máquina no bolso, apertou um botão verde, colocou o aparelho na boca como se fosse um microfone tradutor de línguas e disse, já em nossa língua:

- Somos Plitz e Platz, terráqueo, e viemos em paz. Só queremos arranjar um pouco de combustível para poder voltar ao nosso planeta.

Eu fiquei na minha, sem dizer uma só palavra, como se não estivesse entendendo nada, sabe? Era para disfarçar, até saber a intenção dos caras. Aí, eles falaram:

- Não adianta fingir. A gente pode ler seus pensamentos. Sabemos até que você não é essa figura. Você pode se transformar em outro ser. Nós sentimos a sua transformação desde o momento em que você se escondeu atrás daquela pedra.

Bem, nesse instante, não tinha mais jeito, né? Comecei, então, a falar com eles:

- Eu não queria conversar com vocês pra não assustar vocês, que são criaturas do espaço sideral e não conhecem nossos costumes.

- O ser da Terra é muito esquisito – disse o mais feinho – pensa uma coisa e diz outra.

Quando ele disse isso, eu fiquei nervoso. Como é que pode: o cara vem lá de longe, usa nossa terra para pousar sua a nave, não paga estacionamento, queima nossa plantação e ainda me chama de mentiroso?! Na hora, me deu vontade de dar uns cascudos naquelas criaturas folgadas, mas como eu tenho ligações com seres espaciais, parei, pois senti que eles entenderam meus pensamentos. De qualquer maneira eu precisava saber mais sobre eles. Falei:

- Deixa eu me transformar para poder conversar melhor com vocês.

Transformei-me em Space-Jegue. Eles indagaram:

- Por que terráqueo quer agredir Platz e Plitz?

Eu não respondi. Perguntei imediatamente, querendo ajudar:

- Qual é o combustível que vocês querem para a sua nave?

- Na língua de vocês, nosso combustível se chama “óleo de caroço de banana”. Precisamos de 20 milhões de litros.

- Vocês estão brincando – falei, rindo – sabe quando vocês vão conseguir combustível para voltar para o seu planeta? Nunquinha. Aliás, eu nem sabia que banana tem caroço! E muito menos que caroço de banana é combustível!

Quando eu falei isso, o caldo engrossou. O tal de Platz me olhou com uns olhos vermelhos e falou baixinho para o tal de Plitz, ou vice-versa:

- Terráqueo com roupa espacial é uma criatura poderosa: não podemos ler seus pensamentos. Vamos acabar com ele e roubar “óleo de caroço de banana”.

- Ham! Ham! – gritei – quer dizer que o plano de vocês mudou? Esqueceram de desligar essa máquina de traduzir e eu escutei tudo que vocês disseram. Agora sei a verdadeira intenção de vocês. Vocês sentirão a fúria de meus golpes.

Meu amigo! O ser horroroso apontou uma arma e, imediatamente, começou a atirar uns raios vermelhos em mim! A sorte é que ele era ceguinho e não acertou os dez primeiros tiros. Aí, comecei a pular, a gingar, a urrar:

- Oinc! Oinc! Oinc! Oinc! - era o que eu dizia, porque, mesmo transformado, quando fico nervoso, só falo a língua dos jegues.

E eu estava nervoso. Dei pernada e coice para todo lado. Um desses golpes pegou na arma do cara. Ela se espatifou toda contra a pedra. Eles ficaram assustados e entraram correndo na nave. Eu continuei a dar meus golpes, porque jegue, quando começa a se espernear, não pára tão cedo. Quando parei, vi que a nave deles já estava alçando vôo. Foi levantando, foi levantando, até que saiu em disparada rumo ao espaço sideral.

Fiquei vendo aquele ponto vermelho ir desaparecendo na escuridão do céu. Aí, pensei: “Ué, se eles estavam sem combustível, como é que fugiram assim?” Depois concluí que aqueles camaradas queriam outra coisa da Terra, mas, graças à força e à inteligência deste jegue, não conseguiram nada do que queriam. Isso é o que eles precisavam saber: que aqui na Terra existem alguns heróis desengonçados.”

Repórter: “Poxa! Que história fantástica! Terminar assim uma entrevista é uma coisa emocionante. Muito obrigado, Space-Jegue.”

“Não há de quê!”

Repórter: “Antes de acabarmos nossa apresentação, quero lhe pedir um autógrafo. Pode?”

“Claro!”

MULHER-JACA

A JUSTICEIRA GRUDENTA

Repórter: “Qual é o seu nome, heroína?”

“Meu nome é Intumalina, mas desde criança fui chamada de Lina, para não complicar. Pode me chamar também de Mulher-Jaca.”

Repórter: “Como foi a sua infância?”

“Quando era criança morava na roça. Lá, brincava bastante e comia muita jaca tirada fresquinha do pé. Fiquei lá até virar mocinha, quando vim pra cidade grande pra estudar Química e tentar aproveitar meus conhecimentos para aumentar meus poderes e, aí, arranjar um emprego de heroína.”

Repórter: “Você tem poderes estranhos. Conte para as crianças como eles surgiram.”

“Como já disse, na minha infância, eu comi muita jaca. Um dia, enquanto comia uma jaca-manteiga, uma luz apareceu na escuridão da noite. Ninguém sabia e jamais soube o que aconteceu. Só sei que, enquanto as pessoas da casa se esconderam da tal luz, eu, que tinha mais ou menos 8 anos, fiquei curiosa em saber o que estava acontecendo.

Fugi de casa e subi no alto da colina para ver tudo bem de perto e matar a minha curiosidade. Lembro que fui raptada por homenzinhos gozados que me levaram a um lugar cheio de luzes e botões.

Parecia uma nave espacial ou um centro de controle, sei lá.

A partir daquele dia, senti uma sensação esquisita saindo do meu corpo. Era uma espécie de goma que saía, toda vez que eu comia mais jaca. Quer dizer, a partir daquele dia começou este meu poder: o visgo que cola os inimigos. Parece que esta luminosidade também atingiu o Space-Jegue, quando ele era só jegue. Acho que foi alguma força ou forma de vida alienígena que entrou em nós: algo sobrenatural para a gente compreender.”

Repórter: “É realmente estranho. E qual é o seu golpe principal ou arma favorita. Você utiliza arma, não utiliza?”

“Meu principal golpe é o lançamento de grude: um grude especial para imobilizar o inimigo.”

Repórter: “Qual é o seu passatempo?”

“Quando não estou grudando criminosos, eu viajo. Meus pais já morreram, a casa onde morei foi vendida, mas ainda volto ao local onde nasci. Lá moram os amigos da infância, alguns tios e primos. Nas estradas existem jaqueiras, mangueiras, bambuzais, bois e mato. Adoro viajar para ver isso e respirar o ar puro. Tudo lembra a minha gente.”

Repórter: “Diga algo que você gostaria de ter ou fazer.”

“Meu sonho é ter uma fazenda ou um sítio com muitas jaqueiras. Mas eu moro em uma cidade grande: vivo espremida entre apartamentos e asfalto. Gostaria também que os supermercados vendessem jaca.”

Repórter: “Se você ganhasse na loteria, o que faria?”

“Primeiro, eu compraria a minha fazenda com as jaqueiras. Depois, arranjaria um jeito de dar o dinheiro para as pessoas pobres: os heróis e heroínas não precisam disso.”

Repórter: “Eu já fiz o jogo das preferências com outros seus colegas. Vamos fazer também?”

“Claro! Adoro brincar desse jogo e revelar alguns segredinhos.”

Repórter: “Então vamos lá: tipo de comida...”

“Gosto de macarrão com tomate e molho de jaca-manteiga.”

Repórter: “Qual a sua cor favorita?”

“Verde cor-de-jaca.”

Repórter: “Um animal?”

“Porco-espinho, que parece com jaca; joaninha, que é tão bonita! Eta bichinho delicadinho! E a baleia branca? Alguém pode não gostar de um bicho tão bonito?”

Repórter: “Esporte?”

“Mesmo sendo meio gordinha, adoro dançar balé. Acho que isso não é esporte, né? Acho bonito ver as crianças praticando jogos de equipes como basquete, vôlei, futebol.”

Repórter: “Tipo de música?”

“Se eu disser que gosto de corta-jaca, você nem vai saber o que é. É que corta-jaca é uma espécie de música muito antiga, que ninguém dança mais. Também adoro música clássica para dançar balé.”

Repórter: “E um presente que gosta de receber.?”

“Compota ou doce de jaca; serve geléia de jaca ou mesmo a jaca madurinha. Hum! É de lamber os beiços!”

Repórter: “E um programa de TV?”

“Programas de culinária, para aprender a fazer coisas com minha frutinha favorita.”

Repórter: “Diga uma palavra que você acha interessante.”

“Acho a palavra “bombom” meio roliça, assim como eu. Também gosto de “jacarandá”, por causa do som.”

Repórter: “Revele alguma coisa que você detesta.”

“Não acho legal gente que pensa que só porque é gordinha não pode ser feliz. Ih, gente, deixa disso! Eu sou assim e me sinto bem.”

Repórter: “Coisa que você adora...”

“Eu curto muito ir à praia para surfar. Aliás, eu disse que não praticava nenhum esporte, mas me enganei: eu gosto de surfar.”

Repórter: “Você gostaria de dizer alguma coisa para as crianças?”

“Não... não sou boa pra essas coisas. As crianças já sabem de tudo. Só quero dizer que estou feliz por poder dar essa entrevista, pois algumas crianças não conhecem os verdadeiros heróis de nossa terra.”

Repórter: “Tudo bem, Mulher-jaca. Posso ler um recadinho de um fã seu, não posso?”

“Eu tenho algum fã? Então pode!”

Repórter, lendo: “Dona jaquinha...”

“Jaquinha!!!? Nossa, que carinhoso!”

Repórter, lendo:

“Dona Jaquinha:

Eu não gosto de jaca, mas acho você uma gracinha. Suas bochechas devem ser uma gostosura de apertar. Vivo sonhando poder um dia fazer isso. Quem sabe algum dia eu não poderei te conhecer e realizar este sonho! Já fiz até um poeminha para dizer pra você no dia em que te conhecer:

Linda jaquinha,

De bochecha rosada,

Meu coração se queixa:

Dar uma dor danada.

Não deu pra resistir

Ao seu golpe-grude.

Lutei o mais que pude:

Virei um fã banana

De uma jaquinha bacana.

Acha que ficou bom?

Assinado: Vítor”

“Divino, Vítor! Tudo feito com vontade e carinho é divino. Parabéns e Obrigada!”

Repórter: “Mais alguma coisa para dizer, meu am..., quer dizer, dona Jaquinha?”

“Gostaria de aproveitar a oportunidade para pedir às crianças que ajudem a acabar com a sujeira das praias. Gente, qualquer dia desses, não vai dar mais para tomar um banho, praticar surfe nem body-board, de tanto óleo na água e lixo jogado na areia.”

Repórter: “Beleza! Obrigado pela bela entrevista, Mulher-jaca.”

FOLCLO-MIX

O HERÓI DO POVO

Repórter: “Qual é o seu nome?”

“Me chamo Folclo-Mix.”

Repórter: “Como foi a sua infância?”

“Quando eu era bebezinho, ouvi muitas cantigas de ninar. Mais tarde, brinquei com as cantigas de roda. Quando fiquei maior, fiz muitas estripulias como o saci pererê.”

Repórter: “Quais são os seus poderes?”

“Meus poderes são vários. Eu ando como caipora, com os pés virados ao contrário para despistar os inimigos; eu cuspo fogo como boitatá, a cobra grande; eu posso assumir a identidade de homem e virar boto, como o boto cor-de-rosa; também viro homem e lobo, como o lobisomem; eu assusto caçadores perversos, como o curupira; dou pernada como a mula-sem-cabeça, etc.”

Repórter: “E, entre esses poderes, qual é o seu golpe principal ou arma favorita?”

“Olha, eu não tenho um golpe principal. Tudo depende da ocasião. Só sei que, quando eu começo a contar minhas histórias, as pessoas ficam assim como que encantadas, maravilhadas com tantas fantasias. Aí é fácil acalmá-las. Acho que a minha maior arma não é a força bruta, mas, o poder de sedução de minhas histórias.”

Repórter: “Qual é o seu passatempo preferido, quando não está combatendo o mal?”

“Gosto muito de dançar. Danço o bumba-meu-boi, o reisado, a chula, o xaxado, o frevo, o cateretê, a congada, a ciranda, todas essas danças folclóricas geniais. Também adoro tocar chorinho.”

Repórter: “Diga o que você gostaria de ter ou de fazer e não pode.”

“Deixa eu ver... gostaria de ensinar a nossa cultura popular, o folclore, dentro das escolas. A garotada conhece muito pouco dessas coisas. Acho que tudo isso deveria ser ensinado como uma matéria.”

Repórter: “O que você faria, se ganhasse nesses jogos de loteria?”

“O que eu gostaria de fazer eu já disse na pergunta anterior. E isso eu não poderia comprar. Então, eu não faria nada com esse dinheiro. O folclore não vive de grana e, sim, de encantamento.”

Repórter: “Diga o tipo de comida de que você mais gosta.”

“Ah, eu gosto de tanta comida: vatapá, bobó de camarão, caruru, munguzá, acarajé, beiju, jabá com jerimum, feijoada, churrasco, tutu e couve à mineira, moqueca, pirão, melado, sarapatel, tacacá...”

Repórter: “Nossa! Fiquei com água na boca! Qual é a sua cor?”

“A cor mais bonita é o carmim, a cor meio roxa do entardecer.”

Repórter: “Diga o nome de um animal.”

“Mula-sem-cabeça, que cospe fogo pelas ventas; cobra boitatá, que se transforma e come gente. Deixa eu ver... o boto.”

Repórter: “Um esporte.”

“Capoeira.”

Repórter: “Tipo de música?”

“Adoro as músicas das danças regionais, que são o meu passatempo.”

Repórter: “O que você gosta de receber de presente?”

“Bilboquê: aquele brinquedo infantil com uma bola de madeira furada presa por um barbante. A gente tem que acertar a bolinha dentro de uma cestinha. Tenho mais de dois mil de diferentes tipos em minha casa secreta.”

Repórter: “E programa de TV?”

“Eu quase não assisto a nada da televisão, pois documentários sobre folclore são raros. Além disso, eu não tenho tempo para ficar olhando uma caixa cheia de imagens inventadas. Computador é melhor.”

Repórter: “Fale uma palavra que você acha interessante.”

“Uma palavra divertida é “quibebe”. O sujeito que pede quibebe não quer beber nada: quer comer é um purê temperadinho feito de abóbora. Uma delícia!”

Repórter: “Reclame de uma coisa... quer dizer... uma coisa que você deteste...”

“Como meus ídolos, detesto a luz do dia. O folclore só tem magia à noite. Você já viu alguém dizer que cuca, caipora, saci, boiúna, e esses seres extraordinários aparecem de dia? Nosso poder vem da energia da lua.”

Repórter: “E uma coisa que você adora...”

“Eu adoro contar estrelas. Dizem que contar estrelas, apontando cada uma delas, faz nascer verruga na ponta dos dedos. Eu sempre contei estrelas e nunca nasceu nenhuma nos meus dedos. Vai ver que é porque eu nunca conto elas todas.”

Repórter: “Você gostaria de dizer alguma coisa para as crianças?”

“Gostaria que elas pudessem cantar as cantigas de roda que estão sendo esquecidas. Crianças, vocês por acaso sabem cantar e brincar com “Samba-lelê”, “Capelinha de melão”, “Fui à Espanha”, “Pai Francisco”, “Senhora viúva”, “Eu sou pobre, pobre” e muitas outras cantigas de roda? É uma pena, se vocês não sabem. Mas vocês podem pedir aos seus pais algum livro ou CD que tenha essas músicas: garanto que vão se divertir bastante. Eu gosto muito de uma que diz o seguinte:

Nesta rua, nesta rua

Tem um bosque

Que se chama, que se chama

Solidão.

Dentro dele, dentro dele

Mora um anjo,

Que roubou, que roubou

Meu coração.

Se eu roubei, se eu roubei

Teu coração,

Tu roubaste, tu roubaste

O meu também.

Se eu roubei, se eu roubei

Teu coração,

É porque, é porque

Te quero bem!”

Repórter: “Essa eu conheço. É um barato.”

“Muita gente não conhece. Pra brincar com ela, as crianças fazem uma roda, mas uma fica no centro, sozinha. A roda vai girando e cantando os oito primeiros versos. Aí pára. A criança, no meio da roda, canta sozinha o restante da cantiga. Quando chega ao fim, abraça uma outra criança da roda que irá substituí-la e começar tudo de novo. Eu gosto dessa cantiga porque, quando eu era garoto, alguém roubou meu coração.”

Repórter: “Para acabar, vou ler uma carta especial que a nossa equipe recebeu endereçada a você. Escute:

Caro Folclo-Mix:

Tou satisfeito com aquilo que você tá fazendo por mim e pela galera. Sei que a parada é difícil, porque as crianças estão esquecendo as tradições populares. Elas só querem saber de televisão, vídeogame, computador, e, na hora de escutar umas boas histórias do folclore, acham que é coisa antiga e careta, que é coisa de mané. Fazer o quê, se elas são ensinadas assim, né? É uma pena. Aí, cumpade, a gente sabe que nossas histórias são sinistras, mas eles, não. Eu, por exemplo, já escutei milhões de vezes os casos fantásticos da dona Cuca, mas sempre que escuto novamente, me dá um negócio por dentro, um friozinho de fazer arrepiar até os cabelos do sovaco.

Fica complicado entrar no mundo dessas crianças, que já não se ligam mais na gente. Eu continuo fazendo o que sempre fiz: pulo em uma perna só (já me ofereceram uma operação para colocar uma perna mecânica). E era nos steits! E eu lá quero saber de americano! Tou fora! Continuo fumando meu cachimbo (tou largando, cara, tou largando), uso meu gorro vermelho (a galera da floresta tá pegando no meu pé porque ele já tá rosa do tempo: pura discriminação), assusto os caminhantes noturnos (tou virando herói de tanto bandido que espanto), faço queimar a comida das donas-de-casa... Isso é pouco: parece que a cambada já se acostumou com o corre-corre da vida nas cidades e não se espanta mais com nada. Tou perdendo meu charme.

Por isso, acho maneiro o que você tá fazendo, tentando resgatar tudo que tá se perdendo; por isso, digo com toda a certeza: aí, brother, você é meu herói favorito.

Abraços do irmão

Saci Pererê”

“Poxa! Estou emocionado! Gostaria de dizer ao Saci que vou continuar por longo tempo defendendo os interesses de nossa classe. Pode ficar tranqüilo, meu irmão, que, se depender de mim, nossas histórias jamais serão esquecidas.”

Repórter: “Ok, Folclo-Mix, obrigado pela entrevista.”

“Eu é que agradeço.”

XINGU-BOY

O GUERREIRO VALENTE

Repórter: “Qual é o seu nome?”

“Suiá, nome de tribo é meu nome. Xingu-Boy meu outro nome.”

Repórter: “Como foi a sua infância?”

“Índio brinca no rio, caça, pesca, aprende serviço de tribo, música de tribo e lutas de tribo.”

Repórter: “Quais são os seus poderes?”

“Tribo não tem mais poder nenhum. Já foram muitos, mas foi acabando com o tempo. Você diz índio ser herói, mas muitos foram heróis antes de Xingu-Boy. Muitos sem nome conhecido. Muitos com nome. Xingu-Boy aprendeu com eles.”

Repórter: “Você pode nos contar alguns atos heróicos deles?”

“Um certo Alencar escreveu: Peri, herói índio; Macunaíma, outro herói de nossa gente, que virou estrela; Araribóia, valente e bom nadador; mas história de homem branco não conta verdade; não conta outros heróis de tribo: homem branco fez desaparecer aldeias, mas não conta.”

Repórter: “E qual é o seu golpe principal ou arma favorita? Você utiliza arma, não utiliza?”

“Xingu-Boy usa ainda machado, arco, flecha, faca, mas já tem arma de branco, pólvora, arma que cospe fogo.”

Repórter: “O que você faz além de combater o mal?”

“No começo, índio trabalhava sempre: caçar, pescar, plantar, colher, fazer comida de índio, curar doente; também dançava, cantava. Hoje índio vive reserva, tem pouca terra, troca coisas de reserva por dinheiro de branco. Índio vira branco.”

Repórter: “Diga algo que você gostaria de ter ou de fazer e não pode.”

“Índio quer voltar passado para falar com antepassados. Falar: índio lutar; quando chegar 500 anos, acabou tudo. Xingu-Boy sabe isso não acontece. Vida passou. Xingu-Boy querer falar melhor língua de branco. Falar melhor pra dizer melhor as verdade. Índio confunde palavra, esquece os “s”.”

Repórter: “Se você ganhasse um prêmio de muito dinheiro, o que você faria?”

“No começo, índio não tinha dinheiro: terra tinha tudo, até ervas para pajé; tinha fruta, tinha aipim; rio tinha peixe muitos. Hoje, índio quer dinheiro para comprar remédio de branco – doenças, muitas. Índio quer casa de branco com telhado, panela de ferro, lâmpada-luz no teto, até carro. Alguns troca dinheiro por madeira de reserva. Isso muito ruim. Acaba com tudo. Índio que faz isso não sabe nada. É ruim pra aldeia pequena.”

Repórter: “De qual a comida você mais gosta de comer hoje?”

“Índio gosta muito aipim, milho e peixe no fogo. Come banana e fruta. Hoje, come hambúrgue e cachorro-quente com mostarda e sangue vermelho kestchupe muito bom que homem da cidade leva pra reserva.”

Repórter: “E qual é a cor que você acha mais bonita?”

“Verde, cor de mato, sem maldade.”

Repórter: “Você conhece muitos animais. Existe algum de que você mais gosta?”

“Índio sabe muito animal. Gosta arara azul, bicho-pássaro que procura companheira. Também gosta formiga: animal que vive em sua pequena aldeia.”

Repórter: “E esporte? Você pratica algum esporte?”

“Luta huca-huca, para mostrar homem valente. Índio joga futebol.”

Repórter: “Que música você escuta?”

“Índio gosta música de sua aldeia: quarup, dança para lembrar índio valente; música para casamento; música para filho dormir. Gosta festa do carancasaca; festa do tracajá feio, pequena tartaruga do rio. Mas índio conhece música de caixa-rádio. Conhece música rock de homem branco e gosta muito. De samba e dança de rebolado, funk, não gosta.”

Repórter: “Que tipo de presente você gosta de receber?”

“Xingu-Boy não gosta ganhar presente de homem-branco. Índio ganhou muito espelhinho. Não gosta mais. Se homem-branco fazer lei que protege índios, lei que funciona sem papel, índio ficava muito feliz.”

Repórter: “Diga uma palavra que você acha interessante; quer dizer, que você acha uma boa palavra.”

“Liberdade é uma boa palavra.”

Repórter: “Diga uma coisa que você detesta.”

“Homem-branco que mata animal da selva e destrói árvore com máquina serra elétrica.”

Repórter: “Diga uma coisa que você adora.”

“O barulho do silêncio da selva. O som dos pássaros, grilo e sapos da noite.”

Repórter: “Você gostaria de dizer alguma coisa para as crianças?”

“Índio gosta muito história de pássaro arara azul. Xingu-Boy conta para curumins?”

Repórter: “Claro. Faça o favor.”

“Xingu-Boy conta...

Era tempo do grande acontecimento: mãe natureza ajudava.

O sol pingava amarelo na campina bem longe das serras. Entrava manso cor de ouro por entre galhos e folhas verdes. Ainda não era forte muito como a estação do fogo, que homem chama verão, mas esquentava cada pedaço de chão. Quando vinha a chuva fina, de orvalho, molhava terra, levantava cheiro muito bom de sentir.

Muitos sons muitos havia, fino ou grosso, longo ou curto, animava a floresta, porque os bichos, irmãos e amigos, vivia junto e conhecia segredos uns dos outros.

Pássaro feliz pulava de galho para outro. Procurava lugar para começar o trabalho. Muitas foram as procuras de ave azul entre as folhas da grande árvore até o alto de palmeira com flor amarela e cheiro bom. Depois de cinco sóis e cinco luas, sacrifício de pequeno irmão não foi sem recompensa: ninho pronto mostrava amor de pássaro de encontro marcado com a alegria da criação. Ali teve muito filhote.

Ali tudo era claro, bem antes de outro grande acontecimento.

E veio. No começo, homem-branco chamou colonização.

Naquele tempo, tudo era fruto, flor, água e verde; tudo era belo na campina do grande sertão; até morenos índios suiás de pés livres tinham muitos em grande quantidade pela floresta. Pássaro azul de voz rouca nem conhecia homem de pele que cruzava os horizontes em canoa grande. Homem branco veio. Trouxe bandeira, caixa com música, espelhinho, outras coisa brilhantes; mas irmão índio era tolo, e trocava tudo; muita besteira por fidelidade, vida por sangue, trocava paz por barulho.

Aí começou a sair índio e entrar branco. Saía aldeia, chegava povoado, depois vila, aí, cidades gigantes e máquina. Índio foi fugindo: entrava mais pelo mato; ia pro coração da terra e da mata. Índio não tinha medo, mas branco tinha fogo e com ele fazia desaparecer tribos, tudo porque era civilizado.

Muitos sóis passaram. Muita lei foi criada pra proteger índio do branco. Lei contra o branco feita pelo próprio branco. Conversa, mentira. Idéia só de papel, nome para tapear, enganar gente sem leitura.

Uma vez, chefe do governo disse: agora estava tudo mudado, que, com uma tal de Lei Maior, índio ficava protegido, que era crime maltratar árvore, peixes e ave. Outra vez, conversa fiada. Idéia só de boca, sem coração. Lei do homem igual a curupira, que engana e anda pra trás.

Branco criou, então, reserva pra índio viver sem perigo, só no sossego. Pela terceira vez, digo “conversa fiada”. Promessa de se perder no vento. Coisa prometida, falada por espíritos ruim. Hoje, o que índio vê é invasões na tal reserva de paz e sossego. Doença adormece tudo, guerreiro anda cansado, cacique fuma cigarro, de paz ninguém vê falar. Cacique anda nervoso, com pensamento malvado: pegar e prender donos de fazenda pra chamar atenção do mundo, das pessoas de muito longe e além do mar.

Cacique busca saída de paz, mas a coisa muito séria; fazendeiro entra na reserva, derruba árvore, joga balsa no rio, cria boi, cavalo e galinha, lava terra com metal-brilhante-mercúrio. Peixe sente gosto estranho, e jacaré vai sumindo também: alguns morto, de corpo inchado; outro aparece só o osso: pele vira bolsa e sapato pra moça bonita da cidade.

Outra coisa índio mais velho diz: curumim, quando cresce, foge reserva; vai caçar emprego e chance sair miséria; matar fome em outra terra. Todos enganado com os deuses da floresta de concreto, vidro, muitas máquinas, carro e fumaça preta.

Hoje, a mata verde daquele tempo está cheia de falha branca. Nessa terra que ficou, como pode lindo pássaro arara azul fazer seu ninho?

Assim como jovem cunhã quer viver de amor pelo seu amado, grande guerreiro, assim também todo ser vivente ter vontade de achar seu par: seja onça, peixe, macaca, aves, toda fêmea, toda. Deu, então, a natureza, vontade pra arara cor-de-céu fazer seu ninho de amor com belo esposo.

Arara procurou seu companheiro durante muitos sóis e luas. Arara achou? Nunca. Nunca mais achou. Arara-céu sozinha. Xingu-Boy, que homem-repórter diz ser super-herói, não pode fazer nada. Para pássaro tudo acabou: não há mais grande acontecimento.

E é essa a história que Xingu-Boy queria passar para curumins de homem-branco.”

Repórter: “Bela história, Xingu-Boy. Acho que as crianças gostaram. Para acabarmos nossa entrevista, gostaria de dizer que você está certo em muitas coisas. Mas gostaria de falar também que, hoje, as escolas já ensinam a história de seus antepassados de maneira mais verdadeira. Xingu-Boy passa a ser herói de verdade.”

“Homem-repórter fala verdade? Fala. Mas é tarde. Índio já foi. Vida passou. Somos pouco. Quem sabe vem outro grande acontecimento pra começar tudo de novo!”

... Bem, como diz o ditado “acabou-se o que era doce, quem comeu regalou-se”.

Algumas coisas ditas aqui podem ser sérias. Outras, não; algumas podem ser verdadeiras; outras, invenção. Difícil saber o correto, neste mundo tão diverso. Nosso povo tem características bem distintas: inventa, vive, sofrem, comemora, luta, ri, conta piadas.

De qualquer forma, assim apresentamos heróis, nossos irmãos.

Assim também somos...

Heróis desengonçados...

de uma terra ainda curumim.

Repórter Zinho Xindofredo, do Jornal dos Heróis

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quarta-feira, 30 de abril de 2008

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